O valor da ciência e da divulgação
Por que pessoas inteligentes ignoram certos conhecimentos científicos modernos e se apegam a crenças pré-medievais?
O sujeito (cientista), em seu relacionamento com o mundo (atividade científica), consigo mesmo e com o absoluto, nada encontra de firme.
A existência é algo incerto e inseguro. (Kierkgaard)
O conhecimento científico tem as qualidades de imperfeição e dúvida, por isso não há consenso na comunidade científica.
Outra característica importante da atividade científica é a de que a ciência não é panacéia universal. Ocorre com freqüência o oposto: por exemplo, a aplicação dos princípios teóricos e tecnológicos para a elaboração de armas nucleares.
Assim, muitos cientistas trabalham para a indústria militar, que por cruel ironia produz emprego e riqueza em certas nações, que, por conseqüência, dispõem de mais recursos para investir na atividade científica – este não é caso do Brasil, onde se produzem 80% das minas que mutilam africanos. Seres humanos são usados como cobaias para estudar certas doenças, como ocorreu em Tuskegee, Alabama, de
Tais imperfeições da prática científica têm justificado para alguns o aumento da propagação da crença em superstições ou explicações pseudocientíficas: se a ciência nem sempre está correta e não é uma fonte de riquezas morais, então o melhor é buscar uma ciência alternativa. Uma vez colocados em dúvida os conhecimentos científicos, abre-se o caminho para crenças sobre a vida emocional das plantas, continentes que emergem e afundam rapidamente, Terras ocas, canalização dos mortos, deuses astronautas, estupro astral, alienígenas entre nós, civilizações subterrâneas e criacionismo científico.
Um dos responsáveis pelo apego a superstições é o desconhecimento de como a atividade científica é desempenhada.
Antes, porém, algo deve ser dito sobre os que acreditam na ciência alternativa. Desde os gregos, sabemos que o desejo de conhecer o mundo é inerente à nossa natureza. Por isso, pessoas que pagam por crenças e superstições, em boas livrarias, não devem ser consideradas ignorantes. Elas desejam sinceramente compreender e sondar o mundo ao seu redor, mas, por não entenderem como o conhecimento científico é adquirido, caem no conto do vigário, crendo estar comprando livros com alguma informação sensata.
A ciência tem muitas deficiências. Porém, para investigar fenômenos naturais e fornecer soluções para problemas concretos, o procedimento científico é o melhor de que dispomos.
Além disso, os conhecimentos produzidos podem ser testados e, se necessário, corrigidos.
O máximo que o cientista pode esperar é o aperfeiçoamento de seu conhecimento pela colaboração e crítica, inerentes ao conhecimento científico. Inversamente, a pseudociência produz certezas imunes à crítica e correções. Como debater ou corrigir o que não se tem acesso?
A ciência moderna tem conseguido avançar em várias áreas. Doenças que vitimavam a humanidade têm sido curadas. A expectativa de vida na Europa Ocidental passou de 30 anos, na Idade Média, para 50, em 1915, e se aproxima dos 75 anos. Caso haja vontade política, já há meios eficientes e seguros de produzir mais alimentos nutritivos. Conhecemos muito da intimidade constitutiva da matéria e dispomos de boas hipóteses sobre a origem do Universo. O conhecimento da mais incipiente das ciências tem mais valor do que toda a história da astrologia. Prever eclipses com séculos de antecedência não é um problema difícil para a astronomia – mas em 11 de agosto de 1999 não ocorreu o fim do mundo!
Por que pessoas inteligentes ignoram certos conhecimentos científicos modernos e se apegam a crenças pré-medievais?
Uma das respostas é a de que o desconhecimento da capacidade explicativa limitada da ciência, abre caminho para a superstição. Quando uma pessoa adoece, ela pode tomar remédio, rezar ou ambos. Se ela reza e não toma o remédio é porque está convicta do poder curativo da reza e desconhece ou despreza um tratamento cientificamente comprovado.
Esta dificuldade em se perceber o valor da ciência resulta da linguagem hermética dos cientistas. O conhecimento científico assim fica restrito às quatro paredes das Universidades e Institutos de Pesquisas.
Apenas a democratização do conhecimento o tornará acessível e capaz de barrar o avanço da superstição e da pseudociência. Para mostrar que a divulgação científica é possível, basta citarmos Carl Sagan, Stephen Jay Gould, Edward Wilson e o brasileiro José Reis.
Um livro árido como supostamente deveria ser um sobre história da Filosofia, esteve, há pouco tempo, na lista dos mais vendidos. Atividades de extensão e aperfeiçoamento de professores do ensino básico e fundamental podem ser realizadas por cientistas sem comprometer seu tempo de dedicação à pesquisa.
Basta que mudem sua linguagem. É o mínimo que se espera numa democracia, onde as pessoas precisam se entender. Aliás, esse seria um serviço útil dos cientistas à própria compreensão da ciência que tanto prezam.
Finalmente, se quisermos o apoio da sociedade às reivindicações de mais verbas para a pesquisa, devemos divulgar para o público, ou mesmo facilitar para que um jornalista o faça, o valor social da atividade que desempenhamos.
Fonte
O VALOR da ciência e da divulgação. Jornal da ciência, Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, n. 420, set. 1999.
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